o que sobrenada, sobrenada no caos [what floats, floats in chaos]
2022
Tinta acrílica sobre lona, papel machê, pregos, madeira, base giratória, música, carvão sobre parede, vídeo.
[Acrylic paint on canvas, papier mache, nails, wood, revolving base, music, charcoal on wall, video.]
Dimensões variáveis [Variable dimensions]
Fotografias de [Photos by] Pedro Victor Brandão e [and] Ismael Monticelli.
O que sobrenada, sobrenada no caos foi uma exposição organizada em uma narrativa cuja atmosfera lúgubre despertava um sentimento de melancolia e frustração, em meio às comemorações do bicentenário da Independência do Brasil e do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. Situada na encruzilhada das utopias e distopias de um tempo repleto de efemérides e fracassos, a mostra foi um convite a chafurdar na profanação, no deboche e na crítica que são necessárias a uma vida para além do triunfalismo e do tom celebratório dos cambaleantes cânones artísticos brasileiros e suas fatigadas narrativas. Ao tecer restos de ideias, pensamentos, sons e imagens, o artista sublinhou as fantasias de nossa modernidade e as lançou sobre e contra o agora: tempo crescentemente interpretado à luz do Antropoceno.
Dividida em três etapas, a dramaturgia da exposição se apropriou das construções estético-políticas de Tarsila do Amaral para elaborar um jardim, um grande Éden cuja fabulada harmonia social era, por sua, vez, perturbada por um bestiário sanguinário e carnívoro, que devorava a si e aos outros em meio ao cenário volumetricamente coeso e cromaticamente matizado de sua obra. A estratégia do artista consistiu não apenas em inserir bestas e feras míticas nas paisagens tarsilescas, senão, principalmente, de fazê-lo desde a perspectiva estética da Idade Média por meio da apropriação direta de figuras como as do Bestiário de Aberdeen (Inglaterra, c.1200) e de aspectos como o douramento da superfície e da escrita, cunhando um imaginário ao mesmo tempo moderno e medieval.
No terceiro andar, a paradisíaca primavera pictórica se via infestada por espinhosas cobras que se enrolavam para servir de ninho às centenas de ovos que abundavam no espaço e que, por sua vez, emulavam certa dramaticidade arquetípica entrevista na obra de Maria Martins, contrastando – estética e politicamente – as duas icônicas artistas.
Nas paredes da escada que conectava os dois pavimentos havia uma intervenção do artista, onde se lia repetidas vezes a frase “quando o relâmpago fala, ele diz escuridão”, do filósofo e escritor George Steiner.
What floats, floats in chaos was an exhibition organized into a narrative whose gloomy atmosphere evoked a feeling of melancholy and frustration, amidst the celebrations of the bicentennial of Brazil’s Independence and the centenary of the 1922 Week of Modern Art. Situated at the crossroads of the utopias and dystopias of a time filled with anniversaries and failures, the show was an invitation to wallow in the profanation, mockery, and critique necessary for a life beyond the triumphalism and celebratory tone of the faltering Brazilian artistic canons and their fatigued narratives. By weaving together remnants of ideas, thoughts, sounds, and images, the artist underscored the fantasies of our modernity and cast them over and against the present: a time increasingly interpreted in light of the Anthropocene.
Divided into three stages, the exhibition’s dramaturgy appropriated the aesthetic-political constructions of Tarsila do Amaral to create a garden, a grand Eden whose fabricated social harmony was, in turn, disturbed by a bloodthirsty and carnivorous bestiary that devoured itself and others amidst the volumetrically cohesive and chromatically nuanced scenery of her work. The artist’s strategy was not only to insert mythical beasts and creatures into Tarsila’s landscapes but also to do so from the aesthetic perspective of the Middle Ages by directly appropriating figures from the Aberdeen Bestiary (England, c.1200) and aspects such as the gilding of surfaces and text, crafting an imagery that is simultaneously modern and medieval.
On the third floor, the paradisiacal pictorial spring was infested with thorny snakes coiled to serve as nests for hundreds of eggs that abounded in the space, emulating a certain archetypal drama seen in the work of Maria Martins, contrasting – aesthetically and politically – the two iconic artists.
On the walls of the staircase connecting the two floors, there was an intervention by the artist, where the phrase “when lightning speaks, it says darkness,” by philosopher and writer George Steiner, was repeatedly inscribed.